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Um presente em tons de cinza... como será o nosso futuro? |
Uma coisa salta aos olhos de qualquer pessoa que seja minimamente lúcida: a alma do povo brasileiro mudou muito nos últimos 50 anos - e para pior. Infelizmente, o tempo de duas gerações parece ter passado não para aprimorar o caráter ou trazer mais esclarecimento às pessoas de modo geral, mas sim para realçar aquilo que temos de mais infeliz em nosso comportamento coletivo. Parece que o lema de nossa bandeira torna-se cada vez mais uma piada, uma vez que observa-se cada vez mais desordem e regresso.
Veja bem, não sou um sociólogo, antropólogo ou nenhum estudioso em assuntos da sociedade, longe disso. Sou apenas um cidadão de 51 anos e, a cada dia que passa, fico mais espantado e indignado com a transformação dos brasileiros de um modo geral. O que me permite fazer algumas observações é o fato de, desde sempre, ter trabalhado com pessoas das mais variadas camadas sociais - em termos econômicos, por assim dizer -, e ter notado que algumas características são comuns a todas elas. Estas revelam um lado bem sombrio que todos notam, mas pouquíssimos tem a coragem de falar. Ou talvez nem falte a coragem, mas sim o discernimento para colocar as ideias de forma escrita.
Os exemplos são tantos... basta conversar com as pessoas (seja ao vivo ou através de alguma rede social), e pode-se ter uma visão ampla e privilegiada do verdadeiro horror que nos cerca. Pra não ficar muito cansativo, e nem causar um estado de espanto em ninguém, prefiro enumerar apenas os mais evidentes. Tão óbvios que qualquer cego consegue enxergar e qualquer surdo é capaz de ouvir, e que nos deixam mudos de indignação e decepção.
1) Você já reparou como se vê cada vez menos aquilo que chamamos de "boa educação" por aí?! Não falo do sentido formal do termo (tudo aquilo que se aprende nas escolas), mas sim o que se costuma dizer que "vem do berço". É cada vez mais raro ouvir-se um "obrigado", um "por favor" ou um "com licença"; a impressão que dá é que as pessoas tem a obrigação de nos dar atenção, de nos servir ou de nos dar
passagem. Pedir desculpas por algo que se tenha feito ou falado de errado?! Aí já é querer demais... A impressão que dá é que ninguém se arrepende de nada, que tudo o que se diz ou se faz tem um motivo no pior estlo "os fins justificam os meios". Falta de educação e de respeito? Sim, com certeza, mas o problema é muito pior, a raiz é muito mais profunda do que algo que "venha do berço". Não se iluda: um coletivo de pessoas que acredita que essa é a forma correta de se agir é um grupo de pessoas inescrupulosas, e ponto.
A responsabilidade pode ser dividida entre pais e escolas. Os pais pecam por omissão e por serem frouxos, por serem incapazes de ensinar o que é certo acima de tudo, o respeito ao próximo. Quanto às escolas, são um reflexo perfeito do descaso relegado à educação pelos governos de nosso país, como se houvesse necessidade de comprovar aquele axioma que diz que "é muito mais fácil controlar um povo estúpido do que um que seja adequadamente educado".
Um dos meus maiores orgulhos como pai é ver que a minha filha é educada e sabe utilizar as chamadas "palavras mágicas" sempre que necessário.
2) Já que falei em escrúpulos um pouco acima, não se pode deixar de notar a falta dessa noção em nosso coletivo brasileiro. Encontra-se dezenas de exemplos disso a cada dia que passa: da pessoa que se acha no direito de furar uma fila, seja lá pelo motivo que for, aos motoristas e motociclistas que se recusam a respeitar o sinal para pedestres ou a dividir espaço com ciclistas e skatistas; a pessoa que clama por mais honestidade no trato com a coisa pública é a mesma que fica calada quando recebe um valor a mais de troco; aquele cidadão indignado com a corrupção dos políticos é o mesmo que não pensa duas vezes em subornar qualquer servidor público para que possa "se dar bem" em alguma situação.
A única lei que parece valer em nosso país é a chamada "Lei de Gérson", aquela que diz que "devemos levar vantagem em tudo". O desrespeito ao próximo e às leis, sempre que justificados a partir do ponto onde se leve algum tipo de vantagem, não é outra coisa senão uma completa falta de noção de ética. Ética é uma noção muito pessoal, isso eu sei bem, mas nada pode ser superior àquela máxima que prega que "o seu direito termina onde começa o direito alheio".
3) Muitos de nossos cidadãos foram às ruas no ano passado, motivados por uma série de motivos que não cabem ser expostos aqui; de um modo geral, foi um fato positivo pois deixou a impressão de que os brasileiros finalmente "acordaram da letargia".
Eu pergunto: será mesmo que acordamos?! Já temos inúmeras provas cabíveis disso nesse momento atual (meados de fevereiro), quando o espetáculo anual de "panis et circensis" chamado "carnaval" começa a dominar a mídia. As pessoas se importam muito mais com os tais sambas-enredo ou quem serão as musas de baterias das escolas de samba do que com os projetos que estejam em votação no congresso. Ah, e ainda tem a praga da alienação total e absoluta chamada de "bbb" (minúsculas intencionais), na qual o prêmio máximo vai pra quem consegue ter mais inércia e menos coisa na cabeça.
Nem vou citar o tempo e o espaço dedicado às novelas, o mais lento e gradual processo de paralisação cerebral coletiva que já foi inventada em nosso país.
Esse ano em particular será muito mais afetado pela alienação coletiva, uma vez que teremos a tal copa do mundo de futebol realizada em nosso país. Não me cabe aqui debater o quanto esse dinheirão gasto em estádios poderia ter sido melhor utilizado de forma geral, já que esse era um tema relevante à época da escolha do Brasil como país-sede do torneio; agora é tarde demais, só nos resta esperar pra ver o que acontece. Uma coisa é certa: o país irá parar a cada jogo da seleção brasileira, e nossa mídia de mercado irá vestir como nunca a carapuça de sermos "uma pátria de chuteiras".
De minha parte, só posso torcer por uma derrota fragorosa da seleção nacional - de preferência, perdendo a final para a Argentina com um gol de mão no último minuto. Será um choque tão grande no coletivo nacional que pode provocar o verdadeiro despertar de nosso povo, a verdadeira ignição para que possamos buscar o conserto de tanta coisa errada que existe ao nosso redor. Pode ser aquilo que falta pro nosso povo ter a real dimensão do processo de imbecilização que foi submetido nas últimas décadas...
... mas sei que tudo isso é uma utopia. Pra mim, essa copa já tem destino certo. Nenhum país gastou tanto, pagou tantos royalties à fifa (minúsculas intencionais) e se submeteu às regras absurdas da entidade quanto o nosso. Isso, é claro, não sairá de graça. O valor de nossa dignidade é uma taça de ouro, simples assim.
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Agora pense um pouco naquilo que escrevi acima, e responda com toda a sinceridade: como é que um povo cuja essência parece ser mal criada, sem ética e alienada irá conseguir fazer um país melhor para se viver?
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"O Gigante acordou"?! Vamos dizer que sim - mas está no escuro e desorientado, tropeçando em tudo. Só nos resta trabalhar pra que ele ache logo o interruptor e, finalmente, encontre um destino à altura de suas dimensões.